15 de junho de 2014

Testamento de D. Afonso II | 27 de junho de 1214| Sobre os primeiros documentos em língua portuguesa I -"Como se estruturou a língua portuguesa?"


http://antt.dglab.gov.pt/exposicoes-virtuais-2/8-seculos-de-lingua-portuguesa/

Transcrição do Testamento de D. Afonso II  
(Clique sobre o título)

Excerto do texto "COMO SE ESTRUTUROU A LÍNGUA PORTUGUESA?
Perspectiva histórica da fonologia e da morfologia da língua portuguesa"
Rosa Virgínia Mattos e Silva
UFBA/CNPq
Museu da Língua Portuguesa-Estação da luz


(...) “Na última década do século XIII, o rei D. Dinis legaliza a língua portuguesa como língua oficial do reino de Portugal, seguindo também nisso o modelo de seu avô, Afonso X de Leão e Castela, que no seu reinado iniciado em 1252 institui o vernáculo castelhano como língua oficial de seu reino. Apesar de o português só ter sido oficializado no tempo de D. Dinis, já, a partir de 1255, na chancelaria do rei Afonso III de Portugal, usava-se o Português a par do Latim nos diplomas oficiais. Esse período de 1255 e a institucionalização do português como língua escrita oficial é o que Ana Maria Martins considera a segunda fase da primitiva produção documental em português: Martins (1998, 1999).

Vou centrar-me na primeira fase dessa primitiva documentação, portanto anterior a 1255, que nestes anos noventa começa a ser revista sobretudo pela referida lingüista e filóloga, seguindo inferências e sugestões tanto de Lindley Cintra (1963:45) como de Ivo Castro (1991: 183).

Em 1961, em colóquio sobre os mais antigos textos românicos não-literários, realizado em Estrasburgo, Lindley Cintra (1963) torna públicas pesquisas que vinha realizando sobre os antigos textos em português, juntamente com o paleógrafo Ruy de Azevedo, que demonstraram que, entre os textos, que a tradição filológica, desde os começos do século XX, indicava como os mais antigos – o Testamento de Elvira Sanches e o Auto das Partilhas – eram dos fins do século XIII, mantendo-se como os primeiros documentos, o Testamento de Afonso II, escrito na Chancelaria desse rei e a Notícia de torto, provável rascunho de um documento privado. O Testamento datado de 1214 e a Notícia, situável, pelos fatos narrados, relacionados a famílias historicamente identificadas, entre 1210 e 1216.

Ao trabalho do filólogo e paleógrafo antes nomeados, juntou-se depois o trabalho do historiador medievalista Pe. José Avelino da Costa (1979). Confirma os achados dos outros e ainda inclui um elemento novo que se refere a mais uma das treze cópias do Testamento de Afonso II, encontrada no arquivo da diocese de Toledo, na década de sessenta, já que, desde o século XIX até então só se conhecia uma, a que está no Arquivo Nacional da Torre do Tombo em Lisboa. Desde então até hoje os incontestáveis conhecidos da primeira fase da primitiva documentação em português são, portanto, as duas cópias do Testamento de Afonso II e a Notícia de Torto.
  

Tanto Lindley Cintra, desde a década de sessenta, como Ivo Castro, no seu Curso de história da língua portuguesa (1991) deixam claro que esses documentos não teriam sido os únicos dessa primeira fase.

Nenhum outro documento oficial foi encontrado até hoje, entre as duas cópias do Testamento de 1214 e os documentos em português da Chancelaria de Afonso III, a partir de 1255, sendo assim, realmente, o referido Testamento um documento temporão, explicável por razões da história de vida de Afonso II.

Pesquisas muito recentes conduzidas sobretudo por Ana Maria Martins nos fundos conventuais arquivados na Torre do Tombo revelaram alguns documentos assemelhados à Notícia de torto, os quais já compõem um corpus de menos de vinte documentos, que a Autora situa entre 1175 e 1255, momento em que começa a Segunda fase referida. Esses documentos na sua classificação são de scripta conservadora, como a Notícia de torto diferentemente do Testamento de Afonso II, que classifica como de scripta inovadora. Compõem eles um conjunto de textos de natureza jurídica categorizados como fintos ou róis, notícias e testamentos: Martins (1997:7).

Para Ana Maria Martins, a fronteira entre textos latino-romances e textos romances de scripta conservadora produzidos em Portugal não deve ser traçada numa base meramente quantitativa. “O abandono efetivo ou tendencial das marcas de uma morfologia latina” (Martins 1999: 8) parece-lhe ser característica essencial desses documentos da primitiva produção em Português, por oposição aos documentos latino-romances.

Vale dizer que os documentos latino-romances em Portugal a que se contrapõem esses primeiros documentos de scripta conservadora vêm sendo também pesquisados por outro jovem filólogo e lingüista português, Antônio Emiliano que, na sua tese de doutoramento, se dedicou a língua notarial latino-bracarense: Emiliano (1997). Sem conhecer esse lado latino-romance da questão, não teria podido Ana Maria Martins contrapor os documentos que encontrou em sua pesquisa e defini-los com clareza que não são mais escritos em latim, mas representam uma scripta conservadora, latinizante da língua portuguesa.

Com esse filão recentemente reaberto, o estado da questão permite afirmar que a par da Notícia de torto outros documentos privados a ela assemelhados, compõem a primeira fase da primitiva produção documental em português e que a data para esse tipo de texto recua para as últimas décadas do século XII.” (...)

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